uma história que fica por escrever...
um mundo que fica por descobrir...
um sonho que se afunda.
foi um “namoro” longo o que nos juntou. uma paixão, como qualquer paixão, assolapada e inexplicável.
as tuas formas esguias, chamavam por mim naquele estaleiro, há anos, onde não estavas morto. apenas à espera de alguém que te merecesse... alguém que te trouxesse vida de novo à tua alma adormecida.
um barco que espera calmamente pelo seu momento!
o momento em que um marinheiro completa a sua e do barco, as duas numa só, universalidade de navegadores.
o barco que espera por um navegador capaz de o fazer cumprir o seu desígnio. juntos têm como fado o eterno cruzar de mares, rios, baías e oceanos. na busca ou talvez na vivência de uma liberdade experiênciada a cada milha que passa, ou cada estrela cadente que rasga a noite enquanto estamos fundeados.
longas foram as noites de temporal que juntos degustámos...
cada um de nós oferecendo o que tínhamos. tu, um tecto seco, uns sofás suaves e uma cabine quente que não usava. um doce, por vezes amargo dançar nas ondas do mar revolto. e a mim, apenas me cabia ter tudo preparado para o caso de algo correr mal.
na sala deitado, olhava o mastro que riscava com a sua luz no topo, o céu, apontando algumas estrelas e muitas, muitas nuvens a correr. eu... dormitava na canção do vento. por vezes saltava com o susto de um uivo longinquo que nos abraçava inesperadamente no braço de uma rajada de vento inconformado, que parecia querer-nos tirar do mar, levar-nos para outras paragens. levar-nos de um mar agreste, onde os dois, simplesmente repousávamos, esperando que a bonança chegasse, umas horas... um dia... ou uns dias depois!
à tua mesa vi a aura do sorriso dos amigos.
à tua mesa marquei pontos numa carta e risquei rotas sonhadas nos oceanos.
à tua mesa amei uma mulher e alimentei o espírito no verão e no inverno, outono ou primavera...
horas passei olhando o sulcar da água no alto das tuas proas, como que enfeitiçado pelo saltar das gotas numa fonte mágica, no encantamento de uma vaga que nunca se encontra com o seu fim...
mas hoje... apercebi-me que os nossos caminhos se vão separar... vamos seguir rumos diferente...
não mais vou poder olhar o horizonte a 360º e mergulhar na imensidão do mar, e mais mar, e mar...só e apenas mar!
não mais vou poder escutar a chuva a cair languidamente no convés, como se fosse uma canção de embalar.
acho que hoje realizei que uma parte de mim está a morrer...
acho que hoje realizei que o mais antigo sonho de vida, vai desfalecer.
que outras pessoas se irão sentar à tua mesa... outras pessoas que não eu...
num catamaran com 4 cabines, passei horas, dias, semanas de gentil solidão. “faláva” contigo e com a “nossa” cadela preta como a noite. monólogos de gente do mar, que não sabe para onde vai e muitas vezes, talvez até demais, não sabe realmente de onde vem...
hoje, neste momento, sento-me no chão de um quarto de banho, que fica na escada, na casa de uma boa amiga, num redondo e fofo tapete verde, num edíficio antigo, no centro da europa... o mar fica longe. longe demais para o poder sentir ou escutar. apenas o sonho... e deixo que renasça nos meus olhos que um dia sonharam ser de marinheiro...
adeus Boa Idéia...
lamento não ter conseguido ser o teu navegador...
agradeço do fundo do coração as vivências que me permitiste...
3 comentários:
É impressionante a ligação que se ganha às coisas.
Este texto é prova de que, estranhamente, conseguimos dar vida a coisas, neste caso uma "coisa" especial, um veleiro.
Um dia ouvi alguém dizer que as "coisas" são âncoras das nossas lembranças. Concordo.
Deve ser esta a razão de tão belas relações.
(para onde foi o Boa Idéia?)
Olá!
Eu sou daqueles quem em tempos começou a acreditar que os brinquedos à noite ganham vida!
Hoje gosto da ideia de que tudo ganha vida no plano dos sonhos ou para alguns no espiritual!!!
O Boa Ideia é a agora a minha casa a tempo inteiro. talvez a minha casa do vento...
Até jazz
P
Enviar um comentário