terça-feira, 9 de setembro de 2008

Expedição Oceânica - Diário de Bordo

«I travel, not to go somewhere but just to go. I travel just for the travel sake!»

3 de Julho- domingo
A previsão meteorológica de hoje é semelhante à de dia 5, a nossa data prevista para partir para Angra do Heroísmo. Vamos aproveitar e sair para o mar para verificar como se comporta a «Zoom- Zoom».

12:23 Com cerca de 1200 litros de combustível, 5 tripulantes e a Orixá (a minha cadela da Terra Nova), rumamos a Vilamoura, onde nos vamos encontrar com a Eduarda. Já se faz sentir algum vento…
14:14 A ondulação é de Noroeste e acompanha o vento. Tem uma cadência curta o que faz com a «Zoom Zoom» salte de vez em quando com alguma violência.
16:20 O vento faz com exista alguma sorreada (quando o casco bate na onda faz um efeito de chuveiro que entra para o convés), resultado: já somos 5 e uma cadela bastante molhados… all good fun…
O meu filho emprestado e a Orixá estão a resistir estoicamente a um mar algo exigente e que obriga a progredir com alguma lentidão e atenção constante.
17:34 Novo objectivo: Baleeira- Logo a seguir à ponta de Sagres. O estado do mar está a alterar-se rapidamente e está cada vez mais encapelado. A ondulação muito curta e com 3 – 4 metros, está tornar a viagem difícil e demorada. Vamos aportar na Baleeira para deixar o Nuno e a Orixá e regressar a Alcácer do Sal, fazendo ainda algumas horas de noite, para testar o radar e sistemas de visão nocturna que a Marinha de Guerra nos emprestou.
18:15 Aportámos finalmente na Baleeira! Irra que esta fase final já foi bem «molhada»!!!
19:04 Regressámos à «Zoom Zoom» depois de uns bifinhos «leves».
19:20 Iniciamos a viagem de Regresso.

Os pescadores perguntam à Eduarda se vamos para Faro. «Não! Vão para Setúbal.» ao que eles respondem com um ar algo intrigante. «Ai, não vão, não! Nem chegam ao Cabo de São Vicente!!!» Resultado, ela foi ver como estavam as coisas a correr connosco um pouco mais à frente… não gostou de ver a versão: «Zoom Zoom em voo»…

19:23 De onde é que saíram estas ondas todas?!? E o vento?!?!
19:40 São apenas 10 milhas e ainda não chegámos ao Cabo de São Vicente e mais parece que alguém se entretém a agitar o mar.
19:55 Já conseguimos passar São Vicente… pode ser que um pouco mais a norte o mar melhore.
20:22 Porra!!! Parece que estamos em cima de uma cabra desaustinada.
20:28 Vamos ter que voltar para trás.
A ondulação curta com 6 a 8 metros não permite que a «Zoom Zoom» passe dos 8 nós e estamos sempre a «bater». Subimos, caímos, saltamos e ainda não passou uma onda já temos outra em cima. O vento com força 6 ou 7 não nos dá descanso. O conceito de «pinto encharcado» não pára de me vir à cabeça.
20:29 Navegamos a favor da ondulação e do vento. Devagar para não saltarmos nas ondas e batermos logo na seguinte. Na costa sul vai ser melhor.
20: 47 Mas será que isto não melhora?!?!?
21:05 O Venâncio e o Manel vão atrás do banco dos pilotos, eu estou ao leme e vamos a cerca de 25 nós. Vou de olhos fechados e o Comandante Gouveia e Melo dá as indicações protegido pelo vidro e a pelo toldo, beneficiando da sua elevada estatura (enorme estatura): « bóia à proa. Guina a Bombordo. Está safa. Corrige.» Felizmente não há sobreiros…
A ondulação tem apenas meio metro, mas o vento está muito forte o que gera uma sorreada impressionante, é quase impossível manter os olhos abertos, parece que temos uma mangueira de alta pressão apontada a nós. Nem os boxers estão secos, mesmo apesar dos fatos de alto mar.
21:13 Já conseguimos ver a entrada da Barra de Portimão. O Gouveia e Melo está ao Leme. Está a cantarolar… será que isto é bom sinal?!?!
21:38 Entrámos na Marina de Portimão. CALMARIA. Até que enfim.
22:40 E que bem que sabe um franguinho assado. Durante o jantar, o Cmt. Gouveia e Melo «sugere-nos» que se na Expedição «apanharmos este tipo de mar: Pedido de Auxilio imediato. Os heróis morrem cedo.»
00:11 Depois de tanto salto, o trabalhar suave do RX8 na auto-estrada às 6200 RPM parece uma sinfonia em que a soprano dos diz que desta já nos safámos.
Conclusão: a partida está adiada para quando o tempo esteja em melhores condições.

5 de Julho- terça-feira
A previsão meteorológica continua a dar um mar adverso mas com melhorias a partir de quinta-feira.

6 de Julho- quarta-feira
Tudo na mesma. Apenas a ansiedade aumenta. A partida está prevista para a noite de dia 8 para 9, de sexta para sábado. Vamos lá ver o que os ventos nos trazem.

7 de Julho- quinta-feira
Passo o tempo a falar com o João Cabeçadas do Team Alinghi que está em Valência e com a Marinha para nos manter-mos a par da Meteorologia. O bom desta ciência é que basicamente: não há garantias! Mas em principio é para amanhã.


8 de Julho- sexta-feira
06:25 Epá! Hoje nem foi preciso despertador.

Fazemos os últimos preparativos para a partida para os Açores. A equipa de terra parte no avião para a Terceira às 18:25. Estava previsto assistirem à nossa partida, mas com o adiar desta com o mau tempo, ainda vão sair antes de nós e em cerca de duas horas estão em Angra do Heroísmo. Nós, por outro lado vamos levar algumas horas mais. A previsão está em 36 horas (se o Mar deixar…)

17:30 O Alexandre veio despedir-se de nós, e com pompa e circunstância já navega no Sado frente a Alcácer do Sal com o seu veleiro «Zara», a bordo leva alguns entusiastas da «Expedição Oceânica MAZDA 2005», entre eles o vice presidente da câmara.
18:05 Vestimos os fatos de mar e partimos.
Tenho uma sensação de que uma grande parte do projecto acabou neste momento. Os meses de planeamento, de preparação da embarcação, sistemas de navegação e segurança, tudo levou imenso tempo. Felizmente para nós os nossos parceiros foram sempre mais do que simples patrocinadores e assumiram sempre uma postura muito positiva e activa. Agora, chegou o tempo de ir para o Mar. … finalmente!!!

18:53 A primeira fase está quase. Estamos já em frente à majestosa Serra da Arrábida, que mesmo exibindo as cicatrizes do incêndio, nos brinda com uma paisagem de encantar.
18:57 Olha quem se veio despedir de nós!!! Golfinhos. Resmas deles. Acompanham-nos durante algum tempo e com um à vontade que me surpreende. Brincam à nossa volta que entretanto avançamos quase ao «rolanti». Tento fotografá-los , mas ao mesmo tempo quero simplesmente olhar.
Um deles aproximou-se a não mais de 2 metros e parecia olhar para nós. Fantástico! Parecia desejar-nos uma boa viagem. Ou será que pensava apenas « mas estes tontos vão atravessar uma parte do Atlântico numa casca de noz!?!?» Bom fico-me pela boa viagem.
Rumo a Sesimbra onde iremos reabastecer os depósitos da «Zoom Zoom». São 3010 litros de gasolina ao todo. A bomba de gasolina fechou às 18 horas mas o «ti Custódio» vai fazer a simpatia de nos desenrascar. É um homem bem disposto, que já muitos viu partir para o Mar, todos eles com a esperança de conseguir algo.
22:35 Depois de mais de duas horas e meia a reabastecer vamos mas é comer um peixinho na brasa, que nas próximas horas vais ser a nossa melhor refeição.

O meu pai e o Carlos Martins vêm despedir-se de nós para a grande etapa da Expedição. O MRCC (maritime rescue coordination center) liga-nos com as ultimas previsões. Cerca da meia noite ligo novamente para o Cmt. Gouveia e Melo da Marinha de Guerra, para saber das ultimas da meteorologia. O mar continua com uma ondulação elevada e decidimos adiar a partida para as 05:00, desta forma ficamos atrás do mau tempo e temos a vida mais facilitada. Mal por mal, sempre vemos de onde vêem as ondas…

9 de Julho- sábado

Os agentes da Polícia Marítima da Capitania do Porte do Setúbal, tiveram que nos aturar um bocado e deixaram-nos descansar no Posto durante algumas horas.
Não dormi mesmo nada…
04:45 Levantar para partir. Chegou a hora.
04:50 Para meus espanto o Carlos Martins estava junto ao cais. O homem forte da Garmin, estava mesmo convicto na decisão de nos ver partir. É bom ver o empenho dalgumas pessoas.
05:35 Soltamos amarras e rumamos aos Açores.
A «Zoom Zoom» está mais pesada que nunca, mesmo nos limites da sua capacidade técnica. O motor de Estibordo desenvolveu um suave «tec-tec» que segundo o técnico não é nada de preocupante. Pois…
06:24 Estamos praticamente com terra fora do nosso alcance. Já saímos da protecção do Cabo Espichel e ondulação começa a aumentar. Há luz mas está tudo nublado.

O MRCC espera notícias nossas com a posição geográfica, rumo, velocidade e estado do mar e nosso, cada duas horas. Os tipos são óptimos e a nossa companhia para este desafio. A previsão é que o estado do mar se agrave nas próximas 180 a 200 milhas e que a partir daí melhore sempre até ao Mar dos Açores.

Penso que os Açores fazem parte do meu imaginário desde miúdo. O meu avô Simões, marinheiro desde os 16 anos, sempre me contou histórias de encantar sobre as «Ilhas das Brumas». E quando se tem um sonho temos que persegui-lo. Claro está que, ir de avião parece um pouco monótono e não se enquadra numa história!

08:11 O mar está cada vez mais agreste a ondulação continua a aumentar. A previsão meteorológica é sempre uma previsão. Não uma garantia. Como piloto de balões de ar quente, foram inúmeras as vezes que as previsões não batiam certas. Vento que não veio, chuva que não caiu ou o Sol que teimava em não aparecer. Não se trata dos meteorologistas ou de quem faz a análise. Simplesmente (e felizmente) não conseguimos controlar o Tempo.

10:40 Nas comunicações com o MRCC reporto um agravamento das condições climatéricas. Temos ondas de 3 a 4 metros. Ondulação larga mas pouco vento.
Mesmo assim a «Zoom Zoom» bate de vez em quanto com alguma violência.

11:00 Não conseguimos avançar ao ritmo previsto de uma média de 22 nós. Neste momento, devemos estar nos 13 nós de média. E o tempo continua a deteriorar-se. Quem é que falou que isto ia melhorar?!?

O tempo passa e já nem vejo as horas. O alarme avisa-me que quando tenho que reportar ao MRCC.

Estamos a perder combustível e o cheiro a gasolina a bordo é intenso. O Venâncio, que não gosta muito do odor está um pouco indisposto.
Os depósitos de combustível formam um paralelepípedo, quando subimos a onda temos uma inclinação para estibordo e quando descemos para bombordo. Resultado o tanque do meio está a perder alguma gasolina pelo respirador.


13:55 Com o agravamento do tempo já estamos molhados há algumas horas. Com um bocado de sorte o Sol aparece e a coisa melhora.
O Venâncio já recuperou do mau estar.

Um dos tubos de respiração dum tanque com o impacto nas ondas soltou-se do bordo da embarcação e caiu para o convés o que fez com que a gasolina voltasse a passear nos nossos pés o que não ajuda nada, visto que parece que andamos em manteiga e é impossível fixar os pés no convés. Decidi rastejar por cima do depósito para recolocar o respirador no exterior… a «Zoom Zoom» deu dois saltos e eu pensei que tinha partido as costelas todas. Não sei se da dor ou do cheiro a gasolina, mas tive a sensação cósmica de ver estrelas!!! Felizmente que já tinha posto o respirador no exterior.

Apesar de a comida estar apenas a cerca de um metro de nós para a vante, ainda ninguém comeu. Não que não haja fome mas com os saltos da embarcação parece ser uma tarefa difícil.

Temos um gigantesco super petroleiro á vista. IMPRESSIONANTE. Com cerca de 300 metros de comprimento, parece uma montanha no Mar. O Manel está ao leme e decide cruzar a proa do navio. «Vais cruzar a proa?!?» foi a minha pergunta. «Vou! Nós estamos a avançar muito mais rápido que ele, não há problema.»
O Venâncio vinha deitado no puf que serve de zona de descanso, levanta-se para ver o outro navio e imediatamente pergunta: « Vais cruzar a proa?!?!» O Manel já com ar de mas estes gajos estão tontos dispara: « Preferem que eu passe por trás???» Ao que respondemos que não, ele é que está ao leme, ele decide.
Fez-se silencio, analisou-se o coeficiente de cagaço e a sensação que tenho é que ficámos todos apertadinhos até a «Zoom Zoom» ter passado aquele colosso, que do alto dos seus cerca de 40 metros de largura e quase 15 de altura, desaparecia por trás das ondas que rebentavam contra a sua proa.
Perante está demonstração inequívoca da relatividade, todos pensámos para com os nossos fechos (sim, porque nos fatos de alto mar não temos botões) «afinal, as ondas até são granditas…»

Antes do fim do dia ainda nos cruzámos com um navio estranhíssimo que é tipo camião de caixa aberta. Faz o transporte de outros navios e plataformas petrolíferas, pelo que tem uma forma realmente estranha.

21:00 A noite aproxima-se e do bom tempo nada.

Ao telefone por satélite, já bastante cansado perguntei onde estava o bom tempo. «Mais á frente, aos 018º Oeste vai melhorar.» e como dizia o poeta: «mas isso é longe como o caraças!!!»

Estamos desde as oito da manhã molhados e sempre, sempre a apanhar mar. Nem uma mijinha conseguimos fazer. Vou descansar abraçado ao puf.

Estamos a chegar ao ponto de não retorno. Dentro de momentos não será possível voltar para trás porque não vamos ter combustível.
Voltar para trás é uma decisão que tenho que tomar sozinho. O Mar, mostra a sua força e a noite caiu.
Não consigo afastar da minha cabeça que os meus sonhos de aventura podem ser eventualmente fatais e que para além disso tenho dois Amigos a bordo que vieram por que quiseram, mas acima de tudo porque lhes pedi…
Ainda não fizemos um terço da grande viagem.

Antes de mais: descansar.

23:27 Assumo o leme.
O Manel e o Venâcio vão descansar.
Bolas, que não se vê nada de nada. Nem mesmo as ondas. O céu completamente encoberto traz uma sensação estranha.

Vamos continuar! Se partimos para ligar Alcácer do Sal a Angra do Heroísmo, é isso que vamos fazer. As 36 horas caíram. O importante é chegar bem e quando for, será. Temos uma boa embarcação bons sistemas de navegação e segurança. E sobretudo: uma EXCELENTE TRIPULAÇÃO. Temos pessoas que gostamos e as gentes dos Açores a apoiarem-nos e à nossa espera. Por isso, Vamos chegar.


01:40 Estamos desde o inicio da noite sem comunicações por satélite.
A navegação é feita pelo radar em que faço coincidir com a nossa proa no ecrã a nossa Rota. A distancia para o ponto de chegada, um algarismo em milhas no canto inferior direito do ecrã, vai diminuindo a uma velocidade adormecedora.
O impacto das ondas contra o casco passou de um de vez em quando, que nos preocupava, para um quase continuo, que à força da inevitabilidade, embala o sono.

02:52 Chamo pelo Venâncio e pelo Manel. Mas o barulho dos motores e do Mar. Os fatos fechados até acima com os capuzes apertados, aliado ao cansaço, ninguém responde e estou mesmo à rasquinha para dar uma mijadelazita

03:20 Isto está a tornar-se doloroso e ninguém acorda.
Não posso tirar andamento devido ao estado do Mar e mesmo que o fizesse também não conseguiria manter-me quieto para…

03:22 Huuuummmmmm!!! O que tem que ser, tem muita força e pela primeira vez nas ultimas quase 24 horas estou quentinho. Bom… estranhamente quente!!!

03:25 Agora estou frio… se calhar isto não foi boa ideia…

Estou praticamente a dormir ao leme. Quando o Manel me substituiu penso que estava mesmo a dormir em pé. Apenas abria os olhos para verificar se a minha proa virtual coincidia com a Rota.
Por segurança estamos todos sempre presos à embarcação por uns «cabos de vida» e os nossos coletes são hidrostáticos, o que quer dizer que mesmo que um tripulante caia ao Mar e perca a consciência, o colete insufla.

Acordei cerca das seis da manhã, está na altura do Manel ir descansar. O Venâncio também já está de pé. Tremo compulsivamente. Ponho as mãos nas pequena mesa da consola mas nem assim parecem querer parar. Como estamos molhados, assim que entramos nos períodos de descanso o que implica relaxar os músculos, o frio ataca em força, corremos o risco de hipotermia. Pelo que é vital que mantenhamos uma atenção constante uns sobre os outros, especialmente sobre quem está a descansar.
De repente apercebemo-nos que não comemos nada desde o peixinho grelhado em Sesimbra e isso já foi à mais de 24 horas… O Mar não colaborava por isso ninguém foi à «dispensa».
Sandes de Presunto e umas bebidas energéticas de cor duvidosa, fizeram com que o corpo recuperasse e o dia até parecia melhor.

09:47 Um enorme bando de golfinhos acompanha a «Zoom Zoom», parece que voam nas ondas. É impressionante como estes animais evoluem na água, não nadam, deslizam como se não houvesse qualquer atrito.

Avistamos um navio em rumo contrário ao nosso, com um ar bastante «decrépito». Todo ele era ferrugem e sem qualquer indicação de nome ou bandeira. Era um cargueiro estranho.

O Sol parece querer romper. Felizmente. Algum calor seria sem dúvida importante para nós que estamos molhados e sem qualquer hipótese de gerar energia para aquecimento.

10:45 Conseguimos cobertura de satélite. A comunicação verbal é muito fraca. Envio sms para o Bruno Oliveira (do CCE- Centro de Coordenação da Expedição) e para a minha mulher com as nossas coordenadas, velocidade, rumo e como estamos. «Estamos bem!» como é óbvio. Omito que o motor de estibordo aumentou o barulho e agora parece um martelo eléctrico a trabalhar bem junto aos nossos ouvidos. Porém não apresenta qualquer perca de rendimento ou mudança de níveis nos computador de bordo… Vamos lá ver!

Temos 3 depósitos de combustível a bordo: dois no convés com capacidade de 1080 litros cada um. Foram construídos em alumínio, para serem leves, pelos Transportes Bizarro que quando souberam do projecto, se ofereceram para os construir, visto que têm uma enorme experiência na soldadura de alumínio, o que se acredite ou não em Portugal não é comum. É sempre gratificante ver que ainda existem projectos que nos fazem sonhar e a participação num sonho é motivo de satisfação; temos mais um depósito interno em inox de 850 litros que será o ultimo a utilizar, para uma fase mais rápida da Expedição em que vamos tentar recuperar algum tempo.

12:45 Tento enviar novas coordenadas mas estamos novamente sem comunicações por Satélite.
O Sol já está connosco. Navegamos num Mar azul quase inacreditável. A ondulação está nos 3 – 4 metros mas mais larga o que nos permite avançar um pouco mais depressa. Estamos a fazer médias de 25 nós.

As forças da natureza são fabulosas. As ondas deslocam-se mais rápidas que nós, que as atravessamos transversalmente. Bom, atravessamos, é como quem diz! Atravessamos se elas deixam. Para o conseguirmos temos que embalar numa «descida» e ganhar velocidade. Por vezes a distância é de tal forma entre uma crista e outra que quando estamos a subir «as costas» da onda que queremos passar, começamos a «patinar, patinar» e não temos outra solução que não guinar a estibordo e «surfar» a seguinte

Ficamos sem combustível no segundo tanque. JÁAA?!?!?!?!? Algo de errado se passa
Dos 1080 litros gastámos cerca de 840. Do primeiro também tínhamos perdido cerca de 40. o que quer dizer menos 280 litros no total, tinham sido perdidos devido à forte ondulação que os fez sair pelos respiradores.
Começamos imediatamente a recalcular os nossos consumos para o resto da viagem. Ainda nos faltam 360 milhas e estamos a gastar cerca de 60 litros hora, a uma média de 25 milhas/hora. Como não podemos contar com a totalidade dos 850 litros do depósito, porque normalmente não se consegue gastar até ao fim... Não chega, para chegarmos.

Temos que reduzir a velocidade e logo o consumo, mas aumentamos o tempo…
Chegamos à conclusão que se reduzirmos para as 23 milhas por hora, reduzimos o consumo e permite-nos chegar à justa ou pelo menos ficarmos sem combustível já perto da Terceira.

16:38 O Mar deu-nos uma folga. Baixou para 2 -3 metros e ondulação larga, sem vento. Já nos basta o stress de vermos o combustível a baixar mais depressa que as milhas que faltam.
O SOL está connosco.
Não à nada como dar valor a coisas que normalmente não ligamos. Pela primeira vez nesta aventura estamos algo confortáveis e para isso basta-nos ficarmos um pouco ao Sol. Sentirmos os fatos a aquecer sem termos que estar a contrair músculos faz com o que nosso puf se transforme numa confortável cama depois de um dia cansativo.


Sem sabermos a nossa equipa em Angra está reunida com o Cmt. Matias - Capitão do Porte de Angra e com o Cmt. Gil da Corveta da Marinha. Como não têm notícias nossas desde as 10 da manhã começa-se a temer o pior. O MRCC considera a hipótese de lançar uma Operação SAR (search and rescue). Mas tal como eu disse à minha mulher antes de partir: «no news, good news!». Temos a bordo uma sofisticada balsa de salvamento cedida pela Marinha e temos também um sistema designado por «EPIRB». Este quando accionado manualmente ou por contacto com a água começa a emitir um sinal de emergência em dupla frequência para satélites que no máximo pode estar sem ser detectado 40 minutos. Assim que nós naufraguemos ou tenhamos uma avaria que não possamos avançar accionamos a EPIRB.

17:33 Continuamos sem comunicações por satélite e o VHF está fora de uma distância que permita operar.

Mantemos o telefone por satélite próximo para ver se nalgum momento recupera a cobertura. Mas nada acontece.

As condições do Mar vão melhorando e a ondulação já raramente ultrapassa os 2 metros. Que pena não podermos por os 400 cavalos dos motores da «Zoom Zoom» a debitarem potência.

Uma das sensações mais curiosas é a desorientação que facilmente se incorre. Com o movimento das ondas a nossa direcção é subtilmente desviada, normalmente para sul e só mesmo o olhar para o GPS nos dá conta do desvio. Mas, para mim, o mais fascinante é a estranha sensação de que estou a descrever uma curva, sinto sensorialmente que vou a fazer um circulo, mas o GPS indica que continuo a direito. No entanto a sensação é de tal forma forte que confirmo os valores do GPS com a Bússola Magnética, porque penso poder existir uma avaria. Conclusão: continuamos no mesmo rumo. Devo estar a ficar cansado!!!

19:57 Com o passar do tempo o nosso peso diminui e o Tempo melhora o que se reflecte em melhores consumos. Já conseguimos aumentar um nó à nossa média, mantendo o mesmo consumo instantâneo.

A nossa previsão de chegada é agora para uma janela entre as 02:30 e as 03:10 mas infelizmente continuamos sem comunicações por satélite e não podemos avisar ninguém em Angra ou o MRCC de Ponta Delgada. Espero que estejam todos bem, que se lembrem que a falta de notícias é (relativamente) e que não haja nenhum acesso de ansiedade, é que na realidade pensam que a nossa chegada seria cerca das 18 horas locais…

21:08 Satélite nada.
Já falhamos 4 transmissões hoje. Como não nos cruzamos com outras embarcações também não posso pedir para alguém retransmitir a nossa posição.
Mais uma noite à nossa frente. Bom neste caso uma noite que nos alcança. Mas esta será melhor. Deixámos de estar molhados para simplesmente húmidos. O que dadas as circunstâncias é uma enorme melhoria. Temos comido barras energéticas, chocolates, bolachas e as tais bebidas coloridas e a moral da tripulação está em alta. Só faltam mais algumas horas.

22:00 Tenho a sensação de ter ouvido ruído no VHF
Faço várias chamadas:
«Aqui Zoom Zoom, Zoom Zoom, Zoom Zoom»
«Chama qualquer estação à escuta»
«Escuto»

Deixo passar alguns minutos e repito.
Nada.

«This is Zoom Zoom, Zoom Zoom, Zoom Zoom»
«Calling any station listening»
«Over»

Nada

Passo então em cada meia hora a transmitir a nossa posição mesmo sem que ninguém responda. Chama-se a isto uma «transmissão às cegas» ou «blind transmission»

«Aqui Zoom Zoom, Zoom Zoom, Zoom Zoom»
«Transmissão às cegas»
«Posição N 38º04’ ; W 18º45’; Rumo 280º; velocidade 24nós»
«Escuto»

Este tipo de transmissão com a indicação «às cegas» faz com que qualquer outra estação a vá retransmitir para um centro de coordenação em terra e assim ficam a saber que estamos bem. Assim iniciei uma nova rotina em português e inglês, cada meia hora.


22:45 Tenho um eco forte no Radar. Mudo para Carta Nautica e não tenho nada nessa posição. Volto ao Radar e o eco continua mas mais forte.
22:47 O eco tem deslocação e contrária à nossa.
22:49 A soma das duas velocidades é qualquer coisa como 38 nós e pela dimensão é um navio grande.
22:51 Algo está errado. A esta distância radar já deveríamos ter contacto visual. A noite está muito escura, sem Lua.
22:53 O eco está a cerca de 5 milhas e aproxima-se. Não conseguimos identificar nada no horizonte. A partir deste momento considero o eco como uma ameaça e preparamos uma manobra evasiva.

Lembro-me que nos foi sugerido trazer uma arma a bordo. No Mar, se tivermos uma avaria ficamos à mercê de qualquer pessoa, que pode ter boas ou más intenções. E por vezes aparecem navios à deriva sem qualquer sinal da tripulação… Assim o Manel que é militar na reserva, trouxe consigo uma arma, como descarga de consciência.

Vou manter o Rumo até uma distância muito próxima, na casa dos 500 metros. Assim a outra embarcação partirá do principio que não foi detectada. Nessa altura guinamos a Bombordo e damos motor. Pelo tamanho do eco a outra embarcação tem que ser de grande porte e logo mais lenta que nós.

Que bom seria ter mais gasolina...

23:04 Guinamos a bombordo. Continuamos sem contacto visual. Sinto uma estranha sensação. Que raio está ao nosso lado e não conseguimos ver!!!

23:06 Era só o que me faltava, o eco manobrou a estibordo e segue-nos. Vamos mas é a dar motor que isto aqui não me agrada nada mesmo…

23:40 Estamos safos! O eco já se encontra longe e com a sua a rota a abrir para mais a norte que a nossa. Possa!!! Que esta foi esquisita.

01:50 ehehehe já começamos a ver algumas luzes de outras embarcações de pesca e ao longe para Sul / Sudoeste parece-me ver um clarão na noite que deve ser São Miguel.

02:10 Conseguimos finalmente cobertura por Satélite. Fraca, mas já é qualquer coisa.
Consigo enviar sms para a minha mulher para dizer que estamos bem, devemos chegar dentro de mais uma hora, mas «vamos ver se a gasolina chega…», que nos venham esperar ao cais, ligo mais tarde.

02:27 Conseguimos ver o primeiro farol da Terceira. Uma enorme força anímica cresce dentro de nós. Já falta pouco.

02:45 Terra à Vista

Quase que me apetece chorar de alegria. Quase 900 milhas depois de termo iniciado a nossa viagem estamos a um momento de conseguir chegar, concretizar um sonho! Só espero que a gasolina chegue.
É estranho, mas depois de tantas horas no Mar, quando nos aproximamos de terra vem um cheiro… menos agradável… Os homens do mar já me tinham falado nisto, mas… afinal é verdade.

A esta hora já só as nossas mulheres e amigos devem resistir à nossa espera. Mas vamos chegar. Vamos chegar!!!!

03:01 Estamos a navegar a Sul da Terceira.
O radar enche-se de ecos que conjuntamente com o cansaço nos confundem. Então é altura de utilizar os Óculos de Visão Nocturna que o Corpo de Fuzileiros e a Marinha nos emprestaram.
Fascinante. Apagamos as luzes de navegação e tudo fica verde e visível. Até uma gaivota a voar junto à nossa proa.
Passamos o Ilhéu das Cabras e vemos a entrada do Porto de Angra. Mais uns metros e estamos lá.

Passamos o pontão onde um Policia Marítimo nos acena e regista o nosso tempo. É a primeira pessoa que vemos desde que partimos.

Não acredito!!! Não tem descrição.
O cais está repleto de pessoas. Vejo a minha mulher e os nossos amigos. Pessoas que não nos conhecem e ali estão a dar calor à nossa chegada. Se calhar sem ter a noção de como é importante a sua presença. Apenas quem passa tanto tempo nestas condições pode sentir o que significa ter tanta gente ali.
Encostamos ao cais. É com os olhos aguados que abraço o meu amor e que digo:
Conseguimos, Chegámos, amo tu, Moki.
Sinto que nasci de novo, que tenho grandes Amigos e que são eles e as experiências de vida que nos fazem crescer.

Como dizia Platão:
«Existem três tipos de Homens: os Vivos; os Mortos e os que andam no Mar»

P.S.1 O eco que nos assustou era o nosso «anjo da guarda»! O Cmt.Gil e a tripulação da corveta da Marinha, partiram antes das 18 horas com um rumo contrário ao nosso e avistou-nos cerca das 22 horas tendo informado terra que estávamos bem e continuávamos a avançar. Tentou contactar-nos mas uma avaria no nosso VHF, provocada pelos vapores das baterias provocou um mal funcionamento qualquer.
P.S.2 A gasolina chegou e o motor aguentou-se.
P.S.3 A todos os que nos apoiaram: Muito, muito OBRIGADO!

Notícias (?) cá da Tugolândia!!!


Nesta tugolandia tudo continua cada vez mais na mesma, como tenho a certeza q tu saberá, talvez até melhor que eu... sim porque há cerca de 3 meses que não ligo muito às novidades cá do burgo!
num sentido neo-revolucionário, insurgi-me contra a a ditadura dos meios de comunição, q de isentos, só se forem nos impostos e todos os dias nos condicionam com aquilo que os «senhores da tugolandia» querem que a mediocre sociedade tuga, «pavlovianamente», responda!
quando vejo os noticiários, é deprimente. as noticias são sempre as mesmas, mesmo q comparadas com à três meses atrás!!! ... bem... lá vamos tendo um furacãozito e umas quedas de aviões, para o pessoal cá da terrinha pensar que ainda existem pessoas em situações «menos agradáveis»!!!
pareço agastado?!? nem por isso. acho q ja passei essa fase! agora estou apenas de partida. sem vontade de combater a falta de tomates reinante, em q rezingam no café acalorados pelas «jolas», chegam a casa e ignoram os filhos (contribuindo para a manutenção geracional de medíocres) e se ainda tiverem força para isso, vai uma dosezite de violência doméstica, ja que a mulher está mais a jeito que o patrão ou um politico favorito!!! com esta receita fabulosa, poderá ter uma noite descansada e vitoriosa ( a menos que seja do SLB) e ir para o seu posto de trabalho deprimentente, sem ser muito opinativo, produtivo ou outra coisas qualquer que faça o mundo girar um pouco mais depressa, na realidade, contribuido menos que uma qualquer outra ovelha do rebanho!!!
ehehehe devo tar inspirado!!!