ultimo dia do ano... a olhar o tejo e a tentar ouvir gotan project. ainda não é meio dia e ideias e desideias inundam-me a mente, assaltando a paz de espírito que gostaria de sentir para terminar um ano que me foi particularmente difícil.
sempre amei paradoxos. por ironia do destino a minha vida tornou-se num paradoxo que por vezes me deixa soterrado em sentimentos ambíguos e muitas vezes... demasiadas vezes contraditórios!
sinto uma dislexia emocional numa razão sem fundamento, que por vezes me atola em sensações contraditórias... ou talvez não! talvez apenas mudem tão depressa que não consigo quase suster o momento. e o momento é tão célere que me parece viver dentro do mesmo. talvez na realidade eu viva em momentos diferente que se sobrepõem encadeados em si mesmos, tornando a minha realidade uma só e una mas sempre cheia de vidas paralelas. talvez algumas pessoas não tenham nascido para viver apenas uma realidade. talvez ninguém tenha a capacidade de viver apenas uma realidade e daí existirem tantos “desvios à norma” quando na norma já não existe como realidade mas apenas como conceito teórico para desnormalizar a realidade corrente de uma sociedade, que é apenas real. viva. pungente...
estou no décimo primeiro andar de uma torre que em si é um paradoxo. numa zona problemática da capital, foram construídas quatro torres de apartamentos, com uma vista soberba. para o Tejo e para os bairros sociais... o alcatrão, entrelaça-se em viadutos esparguetianos, em volta das imponentes torres passando por baixo, por cima e ao lado de mais um hipermercado, que está sempre cheio de gente em crise que não pára de consumir.
habituado a estar no mar, no barco onde vivo, olho pela janela e vejo os carros e pessoas passarem, como peixes num estranho aquário gigante.
habituado a estar no mar, no barco onde vivo, mergulho na altura do décimo primeiro andar, com um estranho torpor.
habituado a estar no mar, no barco onde vivo, indago num silêncio de um tango, onde pertenço...
“olhar” para o lado e observar o que se passa cadenciado à minha volta, tornou-se quase num modo de vida. de observar o mundo passar. de conseguir viver a vida. a minha. a dos outros, e sonhar.
neste momento vejo um jardim de uma das torres. religiosamente tratado. em quase dois meses que por aqui passo, nunca, em altura alguma vi, um único ser vivo por aqueles relvados! nem mesmo o jardineiro, que provavelmente para não destabilizar a quietude do lugar sagrado, virá durante a noite, de fato camuflado preparar o altar.
no seguimento da minha linha visual, depois da vedação do jardim, reforçada pelo alcatrão da estrada de mais um viaduto ou túnel, aparecem os canaviais, e hortas onde vivem sacos de plástico numa liberdade ao vento presos na ponta de uma cana. contentores azuis redondos de tampa preta, e mais sacos, antecedem mais um viaduto do canavial, antes dos prédios de habitação social, com uma vista ainda mais fantástica para o Tejo...
onde será que a norma está? onde pára a normalidade? existe a normalidade? ou será apenas mais uma criação conceptual para nos fazer realmente sentir fora dela mesmo?!?